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Instituto de Investigação
em Vulcanologia e Avaliação de Riscos

Teses ► Doutoramento

 

Referência Bibliográfica


AMARAL, P. (2010) - Caracterização geotécnica e hidrológica de depósitos vulcânicos: modelação da estabilidade de taludes no concelho da Povoação (Ilha de S. Miguel - Açores). Tese de doutoramento no Ramo de Geologia, especialidade Vulcanologia, Departamento de Geociências, Universidade dos Açores, 277p. ​

Resumo


O Concelho da Povoação, na ilha de S. Miguel, devido ao seu enquadramento geomorfológico e vulcanológico é recorrentemente afectado por movimentos de vertente desencadeados por episódios de precipitação intensa. Exemplos recentes, utilizados nesta dissertação como casos de estudo, ocorreram a 12 de Fevereiro de 2002 e a 6 e 18/19 de Março de 2005, tendo causado avultados danos materiais em habitações, cortes nas vias de comunicação e 3 vítimas mortais (registadas no evento de 6 de Março).

 

A aplicação de métodos de base física no domínio da previsão de movimentos de vertente, nomeadamente através da articulação de modelos hidrológicos e geotécnicos, deve ser suportada pelo estudo exaustivo e rigoroso dos parâmetros hidrológicos e geotécnicos dos materiais das vertentes em estudo. Apresenta-se a caracterização hidrológica e geotécnica dos depósitos vulcânicos constituintes de 6 vertentes instáveis (Locais teste nº. 1, 2, 3, 4, 5 e 6) do concelho da Povoação, cujos resultados foram incorporados na análise de estabilidade clássica, recorrendo ao modelo de estabilidade de Morgenstern-Price, e em modelos hidrológicos articulados com modelos geotécnicos.

 

Os parâmetros de resistência ao corte foram determinados através de ensaios de corte directo e ensaios triaxiais, ambos nas condições de consolidado, drenado (CD), em amostras no estado natural e perturbado. No plano hidrológico, a condutividade hidráulica saturada (Ksat) foi determinada, em laboratório, através do método de carga constante e por ensaios edométricos, e no campo, através de um permeâmetro de duplo anel. As funções da condutividade hidráulica não saturada, K( ) ou K( ), foram determinadas pelo método da evaporação e pelo método de ar quente, enquanto que as curvas de retenção de água no solo foram obtidas por caixas de areia, caixas de areia mais caulino, dispositivos de panelas de pressão e pelo método da evaporação.

 

Foi efectuada a análise de estabilidade convencional com o método das fatias de Morgenstern-Price, através ao recurso do programa SLOPE/W, de modo a avaliar o factor de segurança global a diversos perfis geológicos dos locais teste estudados. Verificou-se na generalidade que a incorporação dos parâmetros mecânicos obtidos nas condições drenadas e saturadas e uma pressão de água normalizada (ru) nula no cálculo, determinam condições de instabilidade ou de meta-estabilidade, suportando a hipótese de que a estabilidade é garantida exclusivamente pelo incremento da coesão aparente em função do aumento da sucção matricial do solo. Apenas num dos locais teste (nº1) foi necessário um aumento do ru acima de 0.2 para desencadear roturas do solo.

 

Com o intuito de aprofundar o entendimento dos factores que desencadearam fenómenos de instabilidade na área estudada foram aplicados dois modelos hidrológicos associados à análise de estabilidade. O modelo hidrológico difusivo, acoplado à análise de estabilidade de vertentes através do modelo da vertente infinita para simular dinamicamente a estabilidade dos taludes, foi aplicada e validada a duas escalas distintas: (1) escala local, com a utilização das características geométricas, geotécnicas e hidrológicas dos locais teste nº 1, 2, 3 e 4, e integrando os eventos meteorológicos de 12/13 de Fevereiro de 2002 e de 6 e 18/19 de Março de 2005; e (2) escala da bacia, modelando o evento de 6 de Março de 2005, utilizando a generalização dos parâmetros físicos, mecânicos e hidrológicos e a localização espacial dos movimentos de vertente inventariados no âmbito do projecto VOLCSOILRISK (Volcanic Soils Characterization for Landslide Risk Mitigation). A metodologia adoptada consiste na modificação do modelo transiente de Iverson (2000), cuja solução analítica, baseada na equação de Richards para resolver o processo da infiltração da água na direcção vertical e em condições de quase saturação, é acoplada à análise de estabilidade através do modelo da vertente infinita, de modo a avaliar a estabilidade da vertente. À escala do talude, os resultados foram muito precisos tendo sido possível "predizer" temporalmente, por retro-análise, a ocorrências dos movimentos de vertente. À escala da bacia, embora o modelo tenha predito a totalidade dos movimentos de vertente ocorridos, os resultados foram conservadores, uma vez que o modelo classificou cerca de 23% da área da bacia como instável no momento das roturas.

 

De modo a verificar a influência do regime transiente da precipitação e a distribuição da água no solo para as mesmas datas dos eventos de instabilidade geomorfológica e nos locais teste estudados, foi realizada a modelação hidrológica bidimensional com base no método de elementos finitos, recorrendo-se, para tal, ao programa SEEP/W. O cálculo resultante serviu para determinar a estabilidade através do código SLOPE/W, utilizando-se para tal o modelo das fatias de Morgenstern-Price. Os resultados mostraram um decréscimo do factor de segurança com o tempo, alcançando valores abaixo de 1 sensivelmente no período de tempo em que ocorreram as instabilidades verificadas no terreno. Nos locais que apresentam um nível impermeável na base (locais teste nº1 e nº3), o fluxo de água foi marcadamente vertical, com o desenvolvimento de pressões neutras positivas no topo do nível impermeável e em particular no pé dos taludes. Nos restantes locais (nº2 e nº4), caracterizados por apresentarem uma alternância de depósitos pomíticos finos e grosseiros com paleosolos, o fluxo foi igualmente vertical, havendo lugar ao desenvolvimento de toalhas freáticas suspensas na transição de depósitos vulcânicos com texturas mais grosseiras com outros de textura mais fina, que coincidem, nos locais de teste estudados, com a profundidade dos planos de rotura observados.

 

Num dos locais teste (nº4) foram realizados estudos complementares através de: (1) uma rede de monitorização geodésica com recurso a uma estação total; e (2) uma rede experimental com três tensiómetros e uma sonda de medição do teor de água no solo, instalados com os sensores a três profundidades (30, 60 e 100 cm). Os dados resultantes da estação total mostram que a maioria das marcas monitorizadas apresenta movimentação, com velocidades na ordem dos 2 a 20 mm/ano. Os dados da sucção matricial e do teor de água foram incorporados num modelo de vertente infinita (1D), que reúne as características geométricas do local e os parâmetros de resistência ao corte em função da variação do teor de água, permitindo avaliar e acompanhar a evolução dinâmica da estabilidade em contínuo e às três profundidades. Durante o período de monitorização ocorreu, no dia 8 de Janeiro de 2010, uma rotura, tendo sido possível verificar a passagem do talude de um estado estável para um estado de instabilidade às profundidades atrás referidas.

 

Os resultados obtidos neste trabalho através da utilização de modelos de base física permitiram: (i) deduzir uma explicação física para os processos de instabilidade, relacionada com a precipitação na área de estudo; (ii) reconstituir os mecanismos condicionantes e desencadeantes do processo de instabilidade; e (iii) "predizer" temporalmente e espacialmente a ocorrência de movimentos de vertente. Os modelos 1D apresentados, pelo seu dinamismo e exactidão, revelaram ser uma excelente ferramenta para a "previsão" de movimentos de vertente desencadeados pela precipitação, quer através da determinação analítica da resposta da carga hidráulica, quer através da utilização de equipamentos de monitorização específicos (tensiómetros), podendo ser utilizados como base para a implementação de sistemas de alerta e alarme. Pelo contrário, o modelo 2D utilizado, apesar da sua robustez na determinação da distribuição de água no solo e, consequentemente, na avaliação da estabilidade de vertentes, por se tratar de um modelo comercial e de difícil manipulação, não constitui uma boa solução para o desenvolvimento de sistemas de alerta e de alarme. Neste contexto, os modelos 1D poderão futuramente ser integrado numa plataforma comum com a Protecção Civil, articulado com modelos empíricos que se encontram em desenvolvimento.

Observações


Anexos